O que significa, primeiramente, desconfiar das próprias opiniões e das opiniões cambiantes das outras pessoas a ponto de ser capaz, em todos os momentos, de afirmar, à semelhança de Sócrates: “O que sei é que nada sei”. Esta atitude de reserva é a única suscetível de nos levar a pensar, a questionar – num diálogo com outrem ou consigo mesmo – cada uma de nossas afirmações, não para chegar a um ceticismo desenganado, mas para alcançar a verdade.


A conversão da inteligência, à qual nos convida a leitura de Platão “e que descreve” “a alegoria da caverna”, consiste em inverter nossos critérios de evidência: as realidades materiais e corporais – que nos parecem bem mais “reais” do que as “quimeras” do Verdadeiro, do Bem, do Belo, do Justo, do Divino... – são, na verdade, quimeras e “ilusões”. É assim que nossos desejos, inspirados em realidades aparentemente concretas deste mundo (o dinheiro, as honras, o poder, os bens materiais...), são enganados, pois, como Don Quixote, nós só buscamos fantasmas de realidades.

Inaugurando e inspirando a tradição racional da filosofia ocidental, o pensamento de Platão contrapõe-se ao materialismo e ao positivismo modernos. O perigo que oferecem essas “filosofias” é o de nos acomodar a certezas tranquilizadoras que repousariam sobre os dados “objetivos” da experiência, ou sobre as conquistas concretas e tangíveis da ciência e, assim, ao perigo de conduzir a um dogmatismo intolerante e à marginalização de toda reflexão um pouco mais exigente.

Será que o pensamento platônico, na origem do primado conferido à razão e à busca da Verdade pelos filósofos tradicionais, é anacrônico e deve, por isso, ceder espaço a um irracionalismo novo? “Para que desejar a Verdade?” pergunta Nietzsche. Para ele, não há verdade, somente “interpretações” de verdades... Mas a indagação de Nietzsche, que se considera resolutamente “antiplatônico”, não provirá também de uma profunda exigência de verdade, confrontada com “a morte de Deus” e o declínio dos valores tradicionais? Ser “antiplatônico” só pode ser ignorar ou esforçar-se por ignorar esta exigência de verdade que define a filosofia.

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